Por Antonella Lanfranconi — Chile
Os grandes projetos de integração regional, que levam à mudança da configuração geopolítica, são fruto de pensamentos ousados e inovadores, que muitas vezes permanecem adormecidos por alguns anos, às vezes décadas, até encontrarem o cenário político e econômico, bem como o momento histórico que lhes permite materializar em ações concretas. É o caso dos Corredores Bioceânicos Sul-Americanos — conceito que se refere às conexões físicas por diferentes modais (rodovias, ferrovias e hidrovias) que unem os oceanos Atlântico e Pacífico através do continente — cuja finalidade é movimentar cargas e passageiros entre portos. Há registros de esforços nesse sentido desde 1975, quando o Grupo Empresarial Inter-regional do Centro-Oeste da América do Sul (GEICOS) iniciou ações de integração entre os dois oceanos, as quais foram retomadas pelo projeto denominado Zona de Integração do Centro-Oeste da América do Sul (ZICOSUR) no ano de 1997, agrupando iniciativas em nível subnacional. A assinatura da Declaração de Assunção sobre Corredores Bioceânicos, em 2015, marca pela primeira vez o compromisso de quatro países a avançar nessa iniciativa. Estes países instruíram seus Ministérios das Relações Exteriores a formar um grupo de trabalho para realizar estudos técnicos e formular recomendações pertinentes para a implementação do corredor. Complementando este arranjo a nível de integração nacional, no ano 2022, os governos subnacionais realizaram a primeira reunião do “Fórum dos Territórios Subnacionais do Corredor Bioceânico de Capricórnio”, que já completou sua IV sessão em novembro de 2023, integrado por Tarapacá y Antofagasta (Chile); Alto Paraguay y Boquerón (Paraguai); Mato Grosso do Sul (Brasil) e Salta y Jujuy (Argentina).
A falta de conectividade entre os órgãos governamentais dos diferentes países da região leva a uma perda de competitividade. Isso pode ser identificado tanto no comércio regional, como no caso de uma exportação do Porto de Antofagasta no Chile destinada à costa atlântica do Brasil, que terá que passar pelo Canal do Panamá para chegar aos portos brasileiros. Esta viagem requer, em média, 14 dias de navegação, o que se traduz em custos adicionais à operação. Se for considerado o comércio internacional com os principais parceiros comerciais, é necessário que a produção percorra milhares de quilômetros, tanto pelo Oceano Atlântico circundando a África ou pelo Canal do Panamá, para chegar aos portos da Ásia e até à costa oeste dos Estados Unidos. Esta realidade, onde há uma preponderância significativa de regiões costeiras para grandes fluxos comerciais, tem levado a um baixo nível de desenvolvimento das regiões do interior, isoladas ou com baixo nível de conectividade e infraestrutura.
Desde a assinatura da Declaração de Assunção sobre Corredores Bioceânicos, importantes obras de infraestrutura foram realizadas para a materialização do Corredor, considerando tanto o traçado e pavimentação das vias, a conclusão da rede de interconexão ferroviária, a criação de portos fluviais e pontes binacionais. Essas obras são essenciais para a operação do corredor, pois possibilitam o transporte multimodal em todo o continente. No entanto, estas por si só não alcançam uma integração real e eficiente se não forem acompanhadas de uma adequada definição institucional, regulamentar e administrativa que permita o transporte internacional destas rotas. O relatório "Corredor Bioceânico Ferroviário: Estudos Técnicos Referentes ao Eixo de Capricórnio" realizado pelo BNDES, menciona os seguintes gargalos jurídico-institucionais e regulatórios à implementação do Corredor:
"(i) a diversidade de regimes jurídicos existentes em certos trechos do trajeto;
(ii) a elevada margem de subjetividade dos órgãos e dos agentes públicos envolvidos nas aduanas e na fiscalização, comprometendo a fluidez de funcionamento no Corredor.
(iii) a múltipla fiscalização externa (necessidade de fiscalização da carga e da documentação pelas autoridades alfandegárias de cada país, a cada transposição territorial).
(iv) a falta de padronização aduaneira e de documentação exigida;
(v) a falta de uniformidade nos horários de funcionamento das aduanas;
(vi) a falta de padronização dos sistemas informatizados utilizados na administração e na operação aduaneira.”
O BNDES também explorou soluções a estes problemas, porém, apesar do estudo ser publicado em 2011, nenhuma foi efetivamente implementada. Assim, 12 anos depois, continua cada vez mais urgente pensar em um conjunto de normas técnicas, jurídicas e administrativas que regulem, de forma coordenada, a operação desses modais de transporte internacional, possibilitando uma gestão coordenada das fronteiras. Ao mesmo tempo, é importante considerar todos os atores do setor privado que materializam o transporte bioceânico: empresas produtoras, transportadoras, seguradoras, empresas de comunicação, agentes de transporte, despachantes aduaneiros, entre outros. Esses atores são peças-chave para o sucesso dessa integração, pois compõem a cadeia de distribuição de cargas que permite que os produtos cheguem ao seu destino em quantidade, qualidade e de forma competitiva.
Com base no que foi descrito acima, fica evidente que o funcionamento do Corredor Bioceânico requer uma análise baseada em uma abordagem sistêmica e holística, com uma perspectiva internacional e integradora. Para chegar em propostas realistas e concretas que permitam operacionalizar o Corredor Bioceânico é necessário partir da realidade operacional e do conhecimento das pessoas envolvidas no dia a dia. Só assim será possível eliminar todos os gargalos e interrupções na circulação de mercadorias pelos diversos modos de transporte e países. Os benefícios da operacionalização do Corredor Bioceânico são inúmeros. Essa nova forma de conectar os países da região reduzirá o custo do transporte, resultando em maior competitividade para as empresas da região, acesso a produtos mais baratos para os consumidores, maior eficiência no transporte e consequentemente menor impacto e poluição ambiental. Além disso, o aumento da competitividade permitirá que as empresas da região alcancem novos mercados internacionais fora da região. Ao mesmo tempo, o aumento do fluxo de comércio e pessoas pelo corredor será um atrativo para o desenvolvimento de projetos produtivos, bem como investimentos em tecnologia e serviços logísticos, gerando novos empregos, contribuindo para a redução da pobreza e qualidade de vida nas regiões envolvidas. O funcionamento eficiente do Corredor Bioceânico trará mudanças significativas na configuração geopolítica regional, sendo um vetor de integração política, econômica, cultural e comercial.